por Elói Pietá
Não importa seja uma cidade grande, média ou pequena, em qualquer estado do País, nossos vereadores defendem o mesmo projeto nacional, estratégico e conjuntural. Todos defendem o socialismo, a redistribuição da renda, a reforma agrária, os investimentos prioritários nas políticas sociais, a democracia para todos em todas as dimensões, a participação popular, o combate à violência, a recusa ao neolìberalismo. Todos se pautam pelo exercício de um mandato com moralidade e transparência, combatendo a corrupção.
De outro lado, nossos vereadores e vereadoras são aliados dos movimentos populares e sindicais. A maior parte deles participa ativamente de organizações deste tipo. E, mesmo aqueles que não são militantes destes movimentos, defendem a sua importância decisiva para superar os grandes males atuais que atingem o nosso povo. Alguns chamam isto de “modo petista de legislar”, imitando a expressão “modo petista de governar”, usada para nossas prefeituras.
Os debates ao longo da vida do PT consagraram a idéia do chamado tripé na atividade do vereador. A ação parlamentar deve-se dar em três frentes: nas tarefas próprias do poder legislativo (papel principal e insubstituível do vereador); nas ações, discussões e organização do partido (papel do vereador enquanto militante partidário); nos movimentos sociais (papel do vereador enquanto militante da luta social).
Evidentemente, é muito trabalhoso cumprir todas estas funções. Por isso termina havendo temporadas em que predomina para o vereador a luta institucional, outras em que a luta social adquire mais força, outras em que a construção partidária absorve mais energias.
No caso de 1989/90, quando da elaboração da Lei Orgânica Municipal, a atuação institucional ocupou muito os nossos vereadores. Acontece assim também quando ocorre a discussão do orçamento municipal ou de algum outro projeto de peso, quando há alguma comissão especial de inquérito ou uma crise nas instituições. Não se trata só de estar na Câmara Municipal. Trata-se também do tempo e dos esforços para preparar uma intervenção institucional competente.
De outro lado, a existência de mobilizações populares ou sindicais exige bastante a presença de nossos vereadores na luta social. Da mesma forma, os meses de campanha eleitoral, ou os momentos de importantes definições partidárias, consomem o principal das energias diretamente para o partido.
A luta social e a luta institucional
No início da década de 80, a eleição de vereadores petistas foi uma grande novidade. Levou as reivindicações coletivas para dentro das câmaras, acostumadas ao clientelismo, que trata as pessoas em particular e não com o movimento social.
Os vereadores do PT, e uma pequena parte de parlamentares de outros partidos, expressavam na frente institucional a irrupção dos movimentos populares e sindicais, ocorrida desde a segunda parte da década de 70.
A presença dos movimentos de massa exigia a formulação de alternativas para os problemas de transportes, saúde, educação, moradia, abastecimento e outros. Foram feitos para isso, ao longo dos anos, muitos seminários dedicados a formular políticas públicas, além dos debates sobre programa de governo.
O salto mais marcante neste sentido deu-se a partir de 1988, com a conquista de muitas e importantes prefeituras, com a perspectiva de ganhar o governo federal em 89 e com as tarefas constituintes, que, depois de realizadas pelos deputados, foram cumpridas pelos vereadores na elaboração da Lei Orgânica de cada município.
Nossos parlamentares – que já se destacavam nos papéis de porta-vozes do partido, de defensores dos movimentos sociais, de peças importantes na organização deles, de fiscais dos poderes públicos municipais – passaram também a se destacar na apresentação de respostas às reivindicações populares e às necessidades de mudanças dentro das instituições públicas.
A regra vigente, que confere o poder principal ao Executivo, é um fator que enfraquece o peso da atividade institucional do vereador. E, mesmo quando temos a Prefeitura em nossas mãos, as limitações de toda ordem são muito grandes para cumprir os objetivos do PT e as expectativas da população. Junto vieram dúvidas e angústias, como aquela de estarmos nos afastando da luta social em troca da ação na institucionalidade.
Há um esforço de superar o problema, com os movimentos populares e sindicais, através de conselhos, participando mais da elaboração das propostas institucionais (agindo com mais razão e menos emoção), e os vereadores vivendo mais de perto as reivindicações populares (injetar emoção nas nossas razões). Nossas propostas dependem, para se viabilizar, da força dos movimentos e idéias da sociedade, e a militância do partido deve estar presente nas duas frentes: na frente social e na frente institucional.
Na luta institucional, a meta principal é consolidar a presença popular como sujeito principal das transformações. Isto significa ajudar na organização do povo e dar qualidade à sua organização. Significa transformar as nossas principais idéias sobre a cidade e a sociedade em idéias assumidas pela população.
Quando uma Prefeitura nossa desenvolve o orçamento participativo, ela está promovendo a intervenção popular nas instituições e capacitando o povo para esta intervenção. Neste momento, estamos cumprindo o nosso papel de educador político. É um processo no qual nós também aprendemos.
O projeto democrático-popular do PT para o govemo quer radicalizar a democracia e colocar as instituições a serviço da maioria da população. A atuação do vereador petista deve refletir este projeto, juntando a ação nas instituições públicas (democratizando-as, buscando redirecioná-las) com a pressão popular (organizando, mobilizando o povo e ajudando-o a formular suas propostas).
Vereador e Partido
Outra questão importante é o peso que deve ter a delegação partidária e a delegação que os eleitores atribuem ao vereador. Haverá sempre uma contradição a ser administrada nesta relação entre as duas representações. O vereador representa principalmente o partido. Ele é eleito sobretudo pelo conteúdo político e pela força social da legenda. Representa também uma base social, que vai além da base partidária (uma parte do povo, uma parte da cidade, uma categoria profissional, o resultado de uma história de vida e de luta na comunidade).O partido lhe transmite força e, ao mesmo tempo, ele também reforça o partido.
Por isso, haverá momentos em que o vereador será porta-voz do partido. Em outros momentos, expressará opiniões do setor da sociedade que representa. Em outros, falará por si mesmo. Afinal, foi assim que construiu sua liderança. Os nossos estatutos preconizam a subordinação direta do parlamentar na ação política aos organismos de direção partidária e aos organismos de base, que deveriam todos, pelas normas estatutárias, discutir e aprovar previamente programas, planos de ação, projetos, propostas e ações importantes dos vereadores.
Os estatutos, na verdade, representam um reflexo dos anos iniciais do partido. Com a consolidação da atuação de nossos parlamentares, o partido deixou às bancadas a maior parte das decisões.
Os vereadores gozam de grande liberdade de orientar sua atuação dentro das linhas gerais definidas pelo PT, interpretando e aplicando a cada caso concreto a política do partido. A instância partidária que de perto discute a atuação e orienta o vereador é a bancada de vereadores. A Executiva do partido tem sido o organismo dirigente mais próximo que tem compartilhado decisões importantes com os parlamentares.
A mais recente resolução do Diretório Nacional sobre o assunto, em janeiro de 2000, encontra-se na Carta de Compromisso Eleitoral, que reafirma a subordinação da bancada parlamentar ao diretório respectivo, e estabelece que: “Periodicamente – no mínimo, semestralmente – os diretórios promoverão reunião com a bancada do nível correspondente, para balanço, prestação de contas, apresentação de propostas comuns e indicação de diretrizes. Os planos procurarão indicar os projetos polêmicos ou de grande relevância que devem passar por ampla discussão interna no partido antes de serem apresentados pelos parlamentares”.
No conflito entre as duas fidelidades (ao partido ou à base social), a teoria e a prática do PT é clara. Deve predominar a fidelidade partidária. As obrigações do vereador com o partido têm entre seus símbolos importantes a contribuição financeira e, onde há vários assessores, a destinação ao partido de parte das assessorias. Estas obrigações, além de muito úteis à construção partidária, simbolizam o caráter coletivo e partidário do mandato. Por isso, o partido tem sido muito rigoroso na exigência delas. E a prática vem demonstrando: parlamentar que deixa de contribuir financeiramente com o PT está se afastando politicamente dele.
A liderança social e partidária conquistada pelo vereador tem como contrapartida um maior controle da sociedade e do partido sobre ele. Os dirigentes partidários, as personalidades do partido e os detentores de mandatos eletivos, por serem a face mais evidente do PT, são sujeitos a um maior controle e a uma maior disciplina do que os outros filiados.
Estar na oposição
Na maior parte das cidades brasileiras a nossa experiência só nos ensinou a ser oposição. Não há outro caminho onde o poder persiste nas mãos das elites, que se tornaram donos das prefeituras e controlam as câmaras com folgada maioria. Sempre tivemos vontade de encontrar aliados nos outros partidos, pessoas que comunguem conosco alguns princípios essenciais, em especial a prioridade para os interesses da maioria da população e a honestidade. Após nossa consolidação como partido, desenvolvemos um grande esforço de alianças, principalmente a partir das eleições presidenciais de 89.
Persistimos renovando os esforços na busca de aliados confiáveis, que respeitem princípios e programas bem definidos. Não é tarefa fácil. Nem podemos ser traídos pela ingenuidade. É muito comum haver grupos em posição de inferioridade nas elites, que, na pretensão de conquistar cargos com nossa ajuda, abrem dissidência, para depois repetir o que fazem os tradicionais donos do poder.
Na história recente das câmaras municipais, os parlamentares petistas foram os que mais simbolizaram, na prática, o esforço para cumprir as duas tarefas que a teoria e a lei assinalam para o parlamento: legislar e fiscalizar.
Ele é chamado de Poder Legislativo por uma figura de linguagem (a sinédoque) que, entre outras características, denomina o todo por uma de suas partes. Enquanto vereadores de oposição, temos nos destacado bastante nas atividades de fiscalização. A boa fiscalização é uma atividade que exige muito empenho e técnica, pois, neste país, onde os ricos são impunes, é mais fácil ser honesto do que investigar, descobrir e impedir a corrupção.
Para obter informações e provas há uma dificuldade adicional: a barreira criada nas câmaras pelas maiorias governistas. Nossos vereadores fizeram também muitos esforços para legislar, com projetos, substitutivos, emendas, mas tiveram como dificuldade neste aspecto a condição de ser minoria na Câmara.
Além de que, há muitas limitações legais para que a Câmara e o vereador tenham direito de apresentar projetos de lei. As questões decisivas do município dependem de iniciativa do prefeito (leis relativas a impostos, taxas, isenções e todas aquelas que aumentam despesas, leis de organização do poder público e relativas aos servidores).
Algumas prerrogativas do Legislativo, reconquistadas com a Constituição Federal de 88, anulam-se pela submissão das maiorias ao Executivo. Estas usam, comumente, o parlamento como um instrumento de acesso, de vantagens e de influência junto à Prefeitura e à burocracia.
Pesa muito entre os políticos conservadores a política personalista, que se sobrepõe à política partidária. Predominam os interesses financeiros e eleitorais do vereador sobre os interesses coletivos. Aferrados a isso, eles nem sequer tiveram a coragem de aproveitar as novas condições para aumentar o poder de sua instituição. As câmaras, dominadas por eles, não deram o passo adiante de se equipar e contratar técnicos especializados para poder concorrer com o Executivo em informações e capacitação. A formulação de projetos importantes termina ficando só na mão das prefeituras.
Sobram, normalmente, para os vereadores iniciativas de leis de importância secundária. As bancadas petistas e raros vereadores de outros partidos têm sido exceção. O PT sempre defendeu maiores poderes e maior capacitação para o Legislativo. Ligou isto à transparência, à democratização interna das câmaras e à participação popular.
Para fugir à superficialidade legislativa, o vereador do PT deve dar preferência a poucos projetos, mas de grande alcance. A dificuldade de aprová-los é compensada pelo crescimento na capacidade de ir formulando políticas públicas, que desejaremos aplicar quando no poder municipal.
(parte da publicação completa de “Ser vereador do PT”)